Opinião
Deu-se gente contra gente
Ação da Guarda Municipal na retirada de ambulantes do Calçadão é o assunto da [magis]+ desta segunda
Paulo Rossi -
O trabalho dos agentes de segurança, vinculados ou não ao funcionalismo público, é - por mais paradoxal que pareça - extremamente delicado. Exige homens e mulheres centrados, conscientes de si, equilibrados ao máximo: tanto quanto seja possível nesta nossa miserável condição humana. Tal grau de exigência não se alcança sem mergulho interior, sem o exorcizar de muitos fantasmas. Sem matar pai e mãe, no melhor e mais figurado sentido freudiano. Não se alcança tal grau, diga-se, sem processo terapêutico. Pode parecer delírio, devaneio de quem escreve, mas a terapia deveria fazer parte da rotina semanal e estressante de quem trabalha na área da segurança. Talvez ela evitasse excessos. Talvez.
O leitor mais atento a esta altura já pressente, intui, o local para o qual me dirijo. Adivinha, nas entrelinhas do prólogo (e na crueza da fotografia do Paulo Rossi), o centro do assunto: a ação da Guarda Municipal (GM) e dos fiscais para garantir a retirada dos ambulantes do Calçadão. Pelos relatos e pelas imagens, ação um tanto desastrada. E violenta. Provocados pela população, que defendia os vendedores de rua, os membros da GM responderam. Spray de pimenta e o “bom e velho” cassetete se fizeram sentir no vento, nos olhos e na pele. Diante da repercussão do caso, o secretário de Justiça e Segurança Social, Luiz Eduardo Longaray, deu a mais protocolar das respostas: “Às vezes, o uso da força é necessário. Se algum excesso for verificado, será apurado”. Há razoabilidade no que diz Longaray. Fica quase impossível contestá-lo. Quase, não fosse - na minha opinião, claro, sujeita ela mesma à contestação - a situação de exceção que se vive. Me acompanhe mais de perto agora, leitor.
Grande parte dos ambulantes do Calçadão hoje é composta por senegaleses. Pessoas acolhidas legalmente pelo país. Pessoas em busca de um emprego que o país sequer consegue oferecer aos brasileiros (e aqui, sim, há uma grande contradição). A informalidade é o último refúgio para - em terra estrangeira, onde a saudade, “espécie de velhice”, se agiganta - garantir as mínimas condições a uma vida digna. A questão dos senegaleses é, antes de tudo e goste-se ou não, social. Não pode, portanto, ser tratada como se fosse simplesmente um caso de polícia. A prefeitura de Pelotas - juntamente com o Núcleo de Advocacia Popular da UCPel - foi exemplar, sensível, ao encontrar solução para o pedido dos índios caingangues. Poderia usar da mesma sensibilidade ao olhar para os ambulantes, sobretudo os senegaleses.
A ação da Guarda Municipal e dos fiscais, provavelmente corretíssima do ponto de vista legal, irrompeu desequilibrada, desproporcional e, sim, desnecessária diante do drama humano que se descortina em Pelotas. Deu-se a briga da gente contra a gente. E todos saímos perdendo. Infelizmente.
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